top of page

A Educação Salva Vidas

A partir de 25 de fevereiro de 2020 o Brasil teve seu primeiro caso do Coronavírus registrado na capital de São Paulo. Em pouco tempo, mesmo diante da primeira etapa inicial de contenção da Covid-19, quando ainda era possível evitar que o vírus contaminasse a população local, o contágio se espalhou rapidamente pelo território brasileiro. Até as 16h de ontem, 04/04/2020, já contávamos com 10.627 casos confirmados em nosso país, com 459 mortes registradas. (fonte: G1).

Infelizmente estamos na etapa da mitigação, ou seja, de contaminação comunitária, pois já não é possível determinar a origem do contágio. Teremos ainda muitas vítimas e um número cada vez maior de pessoas contaminadas. Quanto menor forem as medidas de supressão, que têm por objetivo romper qualquer cadeia de transmissão e tentar reduzir os contágios ao menor número possível, maior o número de vítimas.

Os números tendem a crescer em todo o país e também nos outros países, a não ser naqueles nos quais a curva de crescimento do contágio já começa a declinar. Mas já são mais de 60.000 mortos em todo o mundo. E, até hoje, mais de um milhão de pessoas contagiadas.

É difícil prever quando a curva de contaminação no nosso país chegará ao pico Especialistas arriscam e dizem que, no máximo, este pico acontecerá por volta do final do mês de abril, início de maio de 2020. Mas ninguém consegue, até agora, estabelecer com exatidão quando isso acontecerá, até porque isso depende de inúmeros fatores- sobretudo, de nossa maior ou menor capacidade de deter o contágio neste momento.

Se depender do presidente da República do Brasil, esta pandemia em nosso país alcançará números de mortes e prazos imprevisíveis, pois, ao contrário do que se passa em outros países, ele, dando mais importância à economia do que à vida das pessoas, desaconselha o distanciamento social – que é a medida preventiva mais segura até agora, que evitaria congestionar os hospitais com a intensa procura diante da falta de equipamentos especializados, de leitos, de e respiradores, como tem sido sugerido em todo o mundo. De forma inconsequente, o presidente contraria dados da ciência, das pesquisas, dos especialistas, das experiências dos outros países, da Organização Mundial de Saúde e de seu próprio Ministério da Saúde. Temo que as maiores vítimas da Covid-19 no Brasil, sejam os seus próprios eleitores, ou seja, aquela parcela que até agora aprova e acredita nele e no seu governo, apesar de todos os desmandos, vexames e de toda a bagunça e irresponsabilidade social, que é o que mais caracteriza sua gestão até agora. E não sou eu apenas quem está dizendo isso: é o mundo.

Fora tudo isso, o atual chefe do executivo do Brasil ainda pretendia impor aos desempregados e pessoas mais vulneráveis da sociedade uma “ajuda” de R$ 250,00 por mês por chefe de família. Com pressão da sociedade e do congresso conservador, que representa sempre os empresários e não a população – salvo raras exceções – chegou-se à bagatela de R$ 600,00 por mês. Quem vive com esta ajuda mensal, neste país?

Enquanto isso, Donald Trump, talvez o presidente norte-americano mais conservador, de ultra-direita, reacionário, persecutório dos imigrantes, xenofóbico e nacionalista ao extremo – talvez o mais conservador dentre os presidentes ultraconservadores das últimas décadas nos EUA, em quem Bolsonaro se inspira e ao qual se curva constantemente, apenas depois de sua inércia diante do coronavírus, que fez mais de 6000 mortos norte-americanos, até agora – só depois disso, reitero, este neoliberal selvagem e desumano se convenceu da necessidade do afastamento social no seu pais.

Pergunto se o nosso presidente não deveria também “copiar” Trump, que foi finalmente convencido propor nos EUA o distanciamento social, a injetar 3 trilhões de dólares na economia americana e a oferecer US 1.000, por mês aos americanos mais vulneráveis e desempregados. Esta seria, enfim, uma boa cópia a ser feita. Mas está o atual governo não faz, porque não governa para a população empobrecida. Veja que hoje, mil dólares equivalem, no Brasil, a 8,3 vezes mais o valor de R$ 600,00 oferecidos aos brasileiros mais vulneráveis. Por mais que os contextos econômicos dos dois países sejam diferentes, dá-nos a impressão de que a vida dos brasileiros vale menos do que a vida dos norte-americanos. Será que é isso o que pensa o “nosso” presidente? Reflitamos também sobre isso.



Com educação bons ventos virão

Logo após o pico do contágio no Brasil, que ainda não sabemos quando será, teremos a última etapa, a de recuperação, que procura diminuir drasticamente o número de pessoas infectadas. É quando toda a sociedade, por meio de suas iniciativas e, principalmente, a partir das medidas adotadas pelo governo do país, dos estados e das nossas municipalidades, organizarão o processo de recuperação e de reestruturação dos territórios afetados pela pandemia.

Depois da crise vem a oportunidade. Depois da gravidade, a gravidez. Depois da tempestade, a bonança. Foi o que aprendemos com nossos avós. Portanto, mesmo sabendo que a disseminação, por enquanto, está em franca ascendência no Brasil, a Covid-19, que é uma das piores pandemias da história da humanidade, está entre nós. Por outro lado, graças ao excelente trabalho dos profissionais da área da saúde, e à existência, no Brasil, ao Sistema Único de Saúde (SUS) – mesmo considerando os cortes orçamentários impostos pelo atual governo – e desde o governo Temer, à saúde, à educação e às áreas sociais – a área da Saúde tem sido heroica no enfrentamento da pandemia. Mas contamos também com o trabalho fundamental de outros profissionais que enfrentam esta crise da saúde pública e garantem o abastecimento de produtos de primeira necessidade a toda a sociedade, envolvendo a produção, a distribuição de produtos de primeira necessidade, os serviços, bem como toda a logística e operacionalização destes: todos estes profissionais são fundamentais neste momento.

Somam-se àqueles profissionais o trabalho de informação pelos meios de comunicação, das diversas mídias, das redes sociais e comunitárias sociais - todas trabalhando em uníssono visando a prevenir a transmissão dessa grave doença infeciosa, causada pelo coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2). Mas fiquemos atentas e atentos às infoendemia, ou seja, ao excesso de informações que também circulam nessas mídias e redes sociais, que às vezes criam mais pânico e medo. É que a informação é tanta, que se torna desinformação. Sem falar, mas já falando nas fake news relacionadas à coronavírus, notícias intencionalmente falsas que nos confundem, nos enganam, às vezes com interesse de lucro, de levar vantagem sobre alguém, outras vezes criar um estado de pânico social com objetivos político-partidários ou meramente econômicos

É preciso dizer: eles não pensam realmente na sua população e na solução da atual crise, mas nos ganhos eleitorais que terão no futuro breve. Isso se passa, só para dar um exemplo, pelos posicionamentos dos governadores de São Paulo e Rio de Janeiros, entre outros, pessoas das mais ultraconservadoras de nossa sociedade, que apoiaram a eleição do atual presidente e que, agora, aproveitam o momento da Covid-19 para fomentar notícias e iniciativas populistas, dando a entender que estão a favor do povo. São tão reacionários quando o primeiro, governam os estados mais neoliberais e injustos do país, e detém os dois maiores números de vítimas da pandemia do país. Seria melhor que pudessem mais dar bons exemplos, do que pousarem de bons-moços.

Mas… o que cabe a nós, educadores e educadoras, nesse latifúndio?

Sempre que estamos diante de uma “situação-limite” (Paulo Freire), momento em que temos até a impressão de que não há mais saídas para os nossos problemas e que parece que seremos vencidos, graças à reflexão e ao trabalho coletivo, com esperança sem espera, sempre encontramos novas formas de vencer os obstáculos, de superar os desafios. É aí que nos perguntamos: como nós, educadores e educadoras, já estamos contribuindo para ajudar a superar esta crise da saúde pública brasileira e mundial? E depois, quando estivermos na etapa de recuperação e voltarmos à nossa “vida normal”, quando retomarmos as nossas atividades cotidianas, já sem os limites impostos pelo distanciamento social de hoje, pelos períodos de quarentena ao qual estamos todos submetidos no momento? Afinal: o que nós, educadores e educadoras, podemos fazer hoje e amanhã?

Certamente a educação que valoriza o ser humano, a sua dignidade, os seus direitos, o sonho, a esperança sem espera, a solidariedade, o diálogo amoroso, a radicalidade democrática, cuidado com a vida humana e com todas as forma de vida da natureza e do planeta, a convivência, o respeito e a valorização das várias culturas, a justa ira, a consciência crítica, criativa e transformadora – estas especificidades da educação de matriz freiriana, inspiram-neste momento de crise, de Covid-19.

Soa até estranho para nós que defendemos o convívio social, a ação coletiva, participativa, a gestão democrática, termos que defender o “isolamento social” proposta inicialmente diante do coronavírus. Até por isso acabamos falando em afastamento, em distanciamento social, e acentuando a necessidade da convivência virtual diante da exigência de quarentena, ou como tenho falado, do intercâmbio social digital e permanente. Portanto, educadores e educadoras, têm a missão, neste momento, de educar as pessoas, de fazer circular informações sérias, confiáveis, verídicas, denunciando todo o tipo de fake news em relação à própria saúde pública, ou ao falseamento de notícias que temos acompanhado nas mídias sociais e nas grandes mídias.

Precisamos nos educar e também educar nossa população para as características genocidas de determinados posicionamentos de algumas autoridades pública de nosso e de outros países, que colocam acima da vida os negócios, a economia, o lucro de que já explora o capital e a força de trabalho do trabalhador e da trabalhadora, a vida inteira. Precisamos estar atentos à falta de responsabilidade que acontece neste momento, em nosso país, em relação ao distanciamento social que, pela fala reiterada do presidente do país, fez com que milhares de pessoas – possivelmente a maioria de seus eleitores – voltassem a ocupar as ruas, a circular e trabalhar normalmente, correndo risco seríssimo de comprometer a sua saúde, de seus familiares e de sua comunidade.

Cada educador, cada educadora, não pode se deixar enganar sobre o que estamos vivendo: para além da gravíssima crise de saúde pública, representada pelo Coronavírus, estamos presenciando o reconhecimento de estado de calamidade pública, pelo congresso nacional, deixando o atual governo à vontade para tomar medidas relacionadas à flexibilidade de normas trabalhistas neste atual contexto, com base em Medidas Provisórias que alteram as relações de trabalho, as férias, o FGTS, os descansos remunerados, as remunerações dos trabalhadores e das trabalhadoras, incluindo negociações entre empregados e patrões, sem mais a presença dos sindicatos. Não é demais lembrar que a recente reforma trabalhista do atual (des)governo, bem como a reforma previdenciária, causaram retrocessos históricos aos trabalhadores e às trabalhadoras brasileiros e brasileira, Retrocessos sem precedentes.

Para que tenham uma ideia, segundo o IBGE, a informalidade, que representa a soma dos trabalhadores sem carteira assinada - pessoas que trabalham por conta própria, domésticos sem registro e também pequenos empregadores sem CNPJ, representou 41,1% da população ocupada, ou 38,4 milhões de pessoas, na média de 2019. No atual cenário da Covid-19, e diante das medidas de exceção por conta da calamidade pública decretada no Brasil, apenas os desempregados em janeiro de 2020 são 11,9 milhões de pessoas, segundo a Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílios Contínua Mensal (PNAD Contínua).

Não tenho dúvidas, infelizmente, de que o número de trabalhadores e trabalhadoras informais, todos desempregados, crescerá significativamente a partir das medidas atuais e do desemprego em massa que já fazia parte da política neoliberal e excludente desta gestão do executivo federal. Mas, agora, com requintes de crueldade e de quase total abandono das pessoas mais vulneráveis de nossa sociedade. Isso afeta e viola os direitos humanos de nossa população e, contra isso, não podemos deixar de lutar e jamais temos o direito de calar. A vida das pessoas não tem preço e o Estado, bem como o mercado, têm, neste momento, responsabilidade social de proteger a nossa população.

Alguns chamam este momento de “estado de guerra” e, outros, de quase “regime de exceção”. Estes períodos, na história, colocam sempre os direitos em xeque, uma vez não é incomum, após superadas as crises de todas as ordens, o que era exceção passa a ser regra. E muitas vezes sem que a sociedade o perceba ou consiga reagir para reverter a situação. Não sem resistência, consciência, clareza política e espírito de transformação visando à justiça social.

Portanto, entendo que professores e professoras têm, dentre tantas responsabilidades já acumuladas, a tarefa especial de se manterem bem informados sobre o que estamos vivendo no Brasil e no mundo, o estado de calamidade pública, compreendendo o que se passa hoje e o que se passará amanhã, depois da Covid-19, em relação aos prejuízos e aos direitos de todas as pessoas, dos trabalhadores, das trabalhadoras, bem como os impactos na sociedade, nas empresas, nos governos, na educação, nas universidades, nas escolas e nas suas comunidades, os estragos e prejuízos ao meio ambiente e à convivência democrática de nossa sociedade. Não podemos permitir que nossa sociedade adoeça e, tampouco, que a democracia e o diálogo enfraqueçam neste país. Ditadura nunca mais!

Para concluir esta breve reflexão sobre a importância também de educadoras e educadores, professoras e professores diante da crise que vivemos, cabe-nos, enfim, alimentar o estado de alerta de toda a população, para superar tanto os riscos de contrairmos a Covid-19, mas também aguçar o nosso cuidado e a nossa atenção em relação ao que se passa na política, na economia, na educação, no meio ambiente, na saúde, no transporte, nos direitos humanos, na educação em direitos humanos e na segurança pública, na nossa cultura, na nossa vida sociocultural e socioambiental, durante e depois deste gravíssimo período, que ainda não tem data para acabar. Por isso é que é tão importante insistirmos: "Fique em Casa". Fiquemos em casa. Fiquemos em casa em quarentena, respeitando o máximo possível o distanciamento social. Um povo educado aprende a se organizar para superar desafios como este. Temos o dever, como educadores(as), de insistir nessa direção com nossos alunos, alunas, vivinhos, amigos, familiares, colegas de trabalho, nas nossas comunidades e nas nossas redes sociais. E sempre orientarmos que todas as pessoas tenham muita atenção ao que está acontecendo à sua volta mas, também, ao que se passa nos outros países, nos quais milhares de pessoas estão também sendo vítimas de governantes irresponsáveis que não tiveram o cuidado de proteger suas sociedades locais contra um mal anunciado e já vivido por outros países, principalmente o que aconteceu com China, Irã, Itália, Espanha, EUA, entre outros.

Dependendo de nossa consciência crítica e transformadora, de nossa solidariedade, de nosso envolvimento e cuidados e com a seriedade e compromisso social e educacional, mesmo em tempo de distanciamento social e depois dele, conseguiremos superar a crise e aprender muito com esta experiência, pois teremos reinventado novas formas de convivência, de respeito às outras pessoas, superando a ganância, a injustiça social, o ódio, a intolerância, vendo de perto os efeitos para a humanidade da busca do lucro a qualquer preço e acima da vida. Enfim, aproveitando para construir um mundo melhor para todos nós e, principalmente, para as futuras gerações. Estamos juntos. Sigamos junto aprendendo e ensinando uns aos outros, umas com as outras. E salvando vidas, porque a educação também salva vidas.

[*] Paulo Roberto Padilha, mestre e doutor em educação pela FE-USP. Pedagogo, músico e bacharel em ciências contábeis. (www.professorpadilha.com)

 
 
 

Comments


bottom of page